Por Caroline Cruz de Morais
Julho de 2007
Algumas das imagens mais reveladoras e representativas sobre a cultura de massas do final do século XX e início do século XXI são trechos de videoclipes. Em seus aspectos mais variados, o videoclipe é a síntese do contemporâneo, através de sua aproximação da vanguarda com a indústria cultural.
São características inerentes ao videoclipe as imagens fragmentadas, a rapidez e o ritmo das imagens, o hibridismo, o desencaixe entre seus tantos elementos e a coleção desordenada, a despreocupação narrativa ou utilização de narrativas simples, a inclinação para a paródia e a imitação/reprodução de estilos, as conexões com as tecnologias de ponta (ou não), bem como a desordenada recuperação do passado e a volta a algumas tradicionais formas de representação e as superposições espaço-temporais – suas principais características muito aproximam-se das definições mais gerais associadas ao pós-modernismo. De acordo com Thiago Soares, o videoclipe é “um objeto marcadamente desarmônico. E é pelo fato de ser desarmônico que o videoclipe rege tantas noções existentes na sociedade contemporânea”[1].
A nomenclatura que o define nos apresenta uma característica: a idéia de velocidade, de estruturas enxutas – clipe significa recorte, pinça ou grampo, o que enfoca justamente o lado comercial deste audiovisual. A “colagem” eletrônica, através da inserção imagética, mesclando imagens até mesmo advindas de outros gêneros audiovisuais, é uma característica apontada como constituinte da linguagem do videoclipe. O sentido acaba por encontrar-se submerso entre tantas tramas de imagens “recortadas”.
O videoclipe representa, também, um marco na tradição e na história da cultura pop, além de marcar fortemente as relações entre música e imagem, e as relações entre produção e consumo de clipes e entre arte e publicidade, sendo a união entre o artístico e o comercial.
A simultaneidade e a divisão nas imagens videoclípticas geram uma fragmentação do significado e da narrativa. Essas características, aliadas à supervalorização da imagem, também são inerentes a outros segmentos. Sendo assim, notamos muito dos elementos constitutivos do videoclipe presentes em outras áreas afins, como, por exemplo, no cinema, na moda, na arte contemporânea (em especial na video-arte), na teoria da literatura e, especialmente, na publicidade. O videoclipe é um gênero televisivo e, portanto, agrega conceitos que regem a teoria do cinema, ecos da retórica publicitária e abordagens da própria natureza televisiva.
De acordo com Moema Dias, “o videoclipe é uma peça de promoção de uma música, onde esta é interpretada através de imagens”[2]. Ainda de acordo com a autora, “a publicidade é influenciada pelo clipe quando usa planos curtos, sem diálogos e só com músicas, o que é muito comum em anúncios de carros. O videoclipe herdou da publicidade a estética. A fotografia dos videoclipes, seus efeitos, são os mesmos usados em publicidade”[3]. Uma montagem rápida, onde os planos duram pouco na tela, a precisão na edição e o uso de iluminação em semelhança com os spots publicitários aproximam os vídeos publicitários da linguagem videoclíptica. Vale notar que um clipe que atinge grande audiência impulsiona a venda de CDs e a promoção de artistas – o mesmo acontece com a aceitação dos vídeos publicitários e os produtos que esses se propõem a promover.
O cinema também se utiliza muito desse tipo de linguagem hoje em dia, através de cortes rápidos, sincronia com música etc., como é possível observar no filme Corra, Lola, Corra, de Tom Tykwer. O mesmo ocorre, principalmente, em filmes musicais (normalmente nas cenas de música). Como exemplo, cito o filme Hair, de 1979, dirigido por Milos Forman numa época em que o videoclipe já era uma realidade, em que as cenas musicais sempre apresentam cortes rápidos, sincronia entre música e imagens e, apesar de inseridas no contexto do filme, não apresentam necessariamente uma narrativa linear. Mesmo antes da existência maciça do videoclipe, os musicais já utilizavam-se de alguns conceitos que seriam, mais tarde, absorvidos por essa nova linguagem.
Ainda dentro da linguagem videoclíptica no cinema, vale ressaltar que desde o início do século XX que as projeções cinematográficas eram acompanhadas por músicas e, regularmente, a escolha da partitura era diretamente relacionada ao teor das imagens apresentadas. Na década de 1940, a seqüência de abertura do filme Fantasia, da Disney, foi desenhada pelo cineasta alemão Oskar Fischinger – o filme constituiria uma profunda relação sinestésica entre música e imagem no desenho animado[4]. Além disso, o cinema foi um dos meios responsáveis pela inserção do rock na esfera do consumo da sociedade norte-americana bem como de todo o mundo, como podemos observar através dos filmes dos Beatles e de Elvis Presley.
O uso de imagens computadorizadas, animações e dança também são componentes dessa linguagem muito presentes em outras áreas.
A linguagem videoclíptica também está presente em elementos cotidianos como pano de fundo para as jukeboxes, para as imagens exibidas de fundo durante as músicas e letras de videokês etc.
Várias características comuns aos videoclipes fazem também parte de outras linguagens e, portanto, são muitos os elementos que podem ser remetidos ao videoclipe: de uma peça de vestuário a um outro gênero audiovisual. Como diz Ana Rosa Marques:
A palavra "videoclipe” tornou-se uma referência rápida e fácil para classificar qualquer produto – de um telejornal a um livro – que se caracterize pela multiplicidade, rapidez, virtuosismo, fragmentação, descontinuidade ou pastiche, aspectos geralmente associados a este formato audiovisual também chamado de vídeo musical.[5]
Logo, apesar de o termo ter sido, de certa forma, banalizado, é certo afirmar que o videoclipe transformou-se numa espécie de “adjetivo”, já que seu modo de expressar parece resumir a cultura pós-moderna.
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BIBLIOGRAFIA
DIAS, Moema da Costa. A linguagem do videoclipe: Música, imagem e interpretação. Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social – Habilitação em Publiciade da Universidade Federal Fluminense, apresentado em Niterói em Janeiro de 2001
MARQUES, Ana Rosa. O Reflexo do Videoclipe no espelho quebrado do documentário. Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2006.
SOARES, Thiago. Videoclipe: o elogio da desarmonia. Recife : Ed. Do Autor, 2004.
[1] SOARES, Thiago. Videoclipe: o elogio da desarmonia. Recife : Ed. Do Autor, 2004. Pág. 26
[2] DIAS, Moema da Costa. A linguagem do videoclipe: Música, imagem e interpretação. Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social – Habilitação em Publiciade da Universidade Federal Fluminense, apresentado em Niterói em Janeiro de 2001. Pág. 7.
[3] Idem, pág. 10.
[4] SOARES, Thiago. Videoclipe: o elogio da desarmonia. Recife : Ed. Do Autor, 2004. Pág. 16
[5] MARQUES, Ana Rosa. O Reflexo do Videoclipe no espelho quebrado do documentário. Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2006. Pág. 45.
4 comentários:
Estou tendo sérios problemas na formatação desse texto. Não consigo colocar espaçamento no início de todos os parágrafos!
E ai do artista pop que não tiver um videoclipe nos dias de hoje, mesmo que seja daqueles com sérias restrições orçamentárias.
Ai, não sei, tem uns clipes com restrições orçamentárias tão sérias que melhor seria não ter feito nada. Seja como for, a linguagem está presente de forma maciça na sociedade contemporânea. Fato!
Olá, você citou na bibliografia:
Dias, Moema da Costa. A linguagem do videoclipe – Música, imagem e interpretação. Niterói. 2001. Projeto de conclusão de graduação em Publicidade e propaganda, apresentado em 2001.
Então, a minha esposa é a Moema, e acontece que ela não tem mais esse trabalho, e não consegue encontrar nos arquivos da UFF. Você poderia dizer como encontrou esse trabalho? Ou se tiver pode nos mandar?
bigux57@gmail.com
Obrigado!!
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